Dia desses, estava eu na tradicionalíssima Confeitaria Colombo, elegante estabelecimento no centro do Rio de Janeiro, devorando algumas torradas Petrópolis enquanto tagarelava entre amigos. Foi quando um deles, tomado por um repentino orgulho de ser carioca, exclamou em alto e bom som: "esta casa é ímpar. Já rodei parte do mundo e jamais vi algo igual."
Refleti por alguns minutos para chegar à conclusão de que havia uma certa veracidade naquela afirmação: nossa Colombo é um deleite visual e gastronômico. Não obstante, em minhas raras andanças ao redor do globo, em especial pela Itália, achei-me em instituições que, apesar de serem representantes de estilos arquitetônicos e artísticos diversos ao presente na Colombo, eram igualmente embasbacantes. Dentre elas, sobressaem-se o histórico Caffè Florian, na Pizza San Marco, em Venezia, local escolhido por Charles Dickens e Rousseau; o imponente e suntuoso Antico Caffè Greco, na Via Condotti, a rua mais "cara" de Roma; e o adorável, distinto e incrivelmente aconchegante Caffè Gilli, no Berço do Renascimento, a inesquecível Firenze.
Meu destaque, neste post, é precisamente este último. Comecemos, então, com um pouco de história:
Em 1733, na Firenze de Gian Gastone de' Medici, a família suíça Gilli abre, na Via de' Calzaiuoli, em pleno centro histórico da cidade, uma pequena cafeteria chamada La Bottega dei Pani Dolci. A casa fez sucesso instantâneo, tendo inclusive como clientes assíduos alguns integrantes da nobreza florentina.
No início do século passado, finalmente se muda, já com o atual nome, para sua presente localização, na Piazza della Repubblica, então conhecida como Piazza Vittorio Emanuele.
Durante o período do Futurismo, Gilli é frequentado por intelectuais e escritores e torna-se local de discursos políticos inflamados. Passa a ser ponto de encontro de artistas e pintores do calibre de Doni, Caligani, Pozzi e Pucci.
Com o término da 2ª Grande Guerra, a casa faz-se, também, um reduto objeto de desejo para jovens e turistas. Hoje, tal como naquela época, esta cafeteria de dois séculos e meio de idade, possui uma freguesia eclética, formada por simples "peregrinos" curiosos até cidadãos pomposos e notáveis.
Ao ingressar na casa, meus olhos, primeiramente, pararam no bar com sua bancada de mármore verde malaquita. Ao fundo, garrafas de whiskys, licores e outras bebidas alcólicas fazem a decoração desta ala. Pode-se ver, ainda, inúmeras cafeteiras atrás de um punhado de esmerados baristas portando trajes irrepreensíveis, e que demonstram incrível coordenação e organização no momento de atender às solicitações das muitas mesas do Gilli.
Próximo à entrada, há um fascinante mostruário, exibindo garbosamente alguns dos mais belos doces em que já pus meus olhos: são crostate di fragole, bignés com chantilly, cannoli açucarados e crocantes, profiteroles entupidos de creme e regados com ganache de chocolate dentre muitos outros. Imaginem como eu, com meu espírito de gordo, senti-me ao defrontar com essas pequenas obras de arte.
Anexo ao bar, encontra-se o salão principal da casa. Seu estilo Liberty é rebuscado, com paredes marfim, arcos, lustres feitos de vidro Murano e teto com afrescos. Aqui, passei algumas jornadas, geralmente na hora do poente, para aquecer-me junto aos termosifoni, bebericando uma cioccolata calda e degustando um ou dois tramezzini.
Como infelizmente não me lembrei de tirar fotos, cabe-me explicar que tramezzino é um tipo de sanduíche que pode ser encontrado em toda a Itália. Deve seu nome ao dramaturgo, escritor e intelectual Gabriele D'Annunzio, que uniu duas palavras italianas, tra e mezzo, as quais, traduzidas para o português, significam, respectivamente, entre e meio, ou seja, é feito com pão quadrado e recheado pelos mais variados sabores. Simples, não?
No Gilli, particularmente, os seus preços são um tanto quanto inflacionados (algo em torno dos € 8). Na verdade, é evidente que, dada sua história, não estou tratando de um café econômico. Exemplo disto é o expresso da casa, que custa € 4, quando em outros estabelecimentos do país, pode ser comprado pela quarta parte deste valor.
Ainda assim, aconselho-os: não deixem de conhecer o Gilli. Vocês certamente terão maior dispêndio lá do que em outros cafés de Firenze, contudo renegá-lo seria o equivalente a um estrangeiro, de férias no Rio de Janeiro, optar por não ir à nossa magnífica Confeitaria Colombo.
ENDEREÇO:
Via Roma, 1R, Firenze
Horários: todos os dias, exceto às terças, das 8h às 24h (nos meses de novembro a fevereiro, fecha às 21h)
Tel. +39 055 213896
http://www.gilli.it/