Tenho muito apreço pelo bom gosto do Deus Bacco, afinal partilhamos da mesma atração pelo vinho. E, quando o assunto é esta bebida alcólica, obtida a partir da fermentação do sumo da uva, a Itália surge, na atualidade, como seu maior produtor e exportador no mundo. Para se ter uma idéia, trata-se do país que nos apresentou obras-primas como o Barolo, o Barbaresco, o Brunello de Montalcino e o Amarone della Valpolicella. Em outras palavras, é a Meca para todos os amantes da bebida dos deuses.
Ao notarmos o eterno casamento entre o italiano e o vinho, jamais poderíamos supor que esta história por pouco deixou de ser trágica, uma vez que, por vários anos, desde 1862, a uva esteve próxima de sumir completamente do país.
No final do século XIX, 80% da população da Itália vivia direta ou indiretamente da produção do vinho e presenciou o desaparecimento da maior parte de seus vinhedos e de suas castas. Nesta época, toda Europa foi infestada pela praga filoxela, proveniente da América, que, por ser até então desconhecida do meio-ambiente europeu, provocou seu desequilíbrio, enfraquecendo as videiras e produzindo um suco intragável e propenso a doenças.
Em vinte e cinco anos, foram três as pragas que destruíram as parreiras européias e, na tentativa de encontrar uma vide resistente à elas, os métodos de vinicultura foram modificados para sempre. Como forma de remediação, adotaram-se porta-enxertos oriundos de cepas americanas, já resistentes aos danos da filoxela. Funcionou, a praga foi erradicada! E com isso, os atuais vinhos italianos, à exceção daqueles vindos das ilhas da Sicilia e Sardegna, têm ascendência americana.
Uma das situações mais prazeirosas quando se viaja para o exterior, é participar de um intercâmbio de informações culturais. Simples prosas, porém verdadeiras aulas. Deste modo, Roberto Frifrì, enólogo e chef do restaurante Noè, em Camerino, agraciou-me com fatos que até então eu desconhecia inteiramente.
O primeiro, curiosíssimo, é que a única forma de apuração do sabor do vinho é na ocasião em que o mesmo ainda se encontra nos silos de aço ou, então, dentro dos enormes barris de carvalho, bem antes do fabricante engarrafá-lo e colocá-lo à venda no mercado.
Em que isto é importante? Simples. Talvez muitos de vocês comprem determinado vinho e esperem um sem-número de anos para consumi-lo, com o intuito de se utilizarem desta passagem do tempo para aperfeiçoar seu sabor. É balela! Quando muito, o vinho bem conservado não perderá suas características originais, mas jamais aprimorará seu gosto.
Para desvelar a informação seguinte, Roberto indagou minha opinião acerca dos vinhos chilenos. Prontamente respondi-lhe que alguns estão, possivelmente, entre os melhores do mundo. Satisfeito com minha resposta, Roberto revelou-me que não somente os vinhos originários do Chile, mas de diversas partes do mundo, durante seu processo de fabricação, recebem açúcares e componentes químicos para equipararem-se, quando necessário, às safras anteriores bem sucedidas, deixando a bebida com gosto linear, agradável ao consumidor. Isto é, contudo, terminantemente vedado por lei na Itália, onde é feito rigoroso controle de produção, não sendo relevante se a safra anual foi pouco proveitosa ou se o tempo foi pérfido.
A propósito, a foto acima mostra o próprio Roberto Frifrì em nossa visita ao Borgo Paglianetto, uma cantina na cidade marchegiana de Matelica, cujo vinho, denominado Verdicchio, é considerado um dos mais nobres representantes da uva branca em todo o país.
Aqui, tomarei como base minhas experiências práticas e meus conhecimentos na matéria, embora confesse que sejam bastante acanhados, para dar-lhes algumas indicações dos melhores vinhos pertencentes à região de Marche. Fiquem tranquilos, somente direi minhas breves impressões, pois não tenho a menor pretensão em ser um "enochato".
Verdicchio DOC - já que lhe fiz menção, comecemos, por conseguinte, com este vinho histórico. De tonalidade amarelo-esverdeada, é produzido em duas regiões de Marche: Castelli di Jesi (província de Ancona) e a já citada Matelica (província de Macerata).
Em minha excursão ao Borgo Paglianetto, aprendi que o microclima do vale Sinclinale Camerte, território de produção do Verdicchio di Matelica, é ideal para o cultivo de uvas. Este local é particular, por ser o único vale de Marche posicionado do Norte para o Sul, protegido pela barreira de San Vicino (1.479 metros) a leste e pelos Monti Sibilini ao sul. A ótima exposição dos vinhedos ao sol, a constante ventilação, luminosidade e calor, aliados às mais modernas técnicas de vinificação, elevaram este vinho ao mais alto nível da enologia italiana.
Harmoniza perfeitamente com antipastos magros, massas, risotos e secondi piatti a base de peixe ou frutos do mar.
Offida DOC - outro rótulo "branco" que recebeu o selo DOC em 1999, este vinho, de coloração amarelo-palha, é produzido com uvas pecorino e passerina. Para aqueles que fizeram a associação com o queijo pecorino, feito com leite de ovelha, seu nome deve-se exatamente porque a uva Pecorino é plantada em áreas adequadas à pastagem destes animais. É ótimo com saladas e frutos do mar.
Rosso Conero DOCG - do solo calcário que se estende do Mar Adriático aos Apeninos saem também tintos de qualidade, a exemplo do Rosso Conero. A bebida, de um vermelho intenso, é comercializada após 2 anos de envelhecimento em barris de carvalho. Concilia com queijos staggionati, especialmente o pecorino di fossa.
Vernaccia di Serrapetrona DOCG - aqui temos um vinho de dupla fermentação, o mesmo procedimento utilizado para a criação dos espumantes. Sua produção somente é consentida em um território muito restrito, que compreende a comune di Serrapetrona e parte dos campos que rodeiam as cidades de Belforte del Chienti e San Severino Marche, todos na província de Macerata.
É feito, ainda, na versão secco, considerado vinho de meditação, ou seja, fuori pasto (fora da refeição), mas acompanha bem assados de carne. Na tipologia dolce combina com biscoitos, tortas e doces secos.
Lacrima di Morro d'Alba - este tinto origina-se das videiras nativas das pequenas vilas ao norte do rio Esino, área montanhosa com encostas em direção ao mar. É despretencioso e consumido jovem.
Rosso Piceno - vinho tinto de sabor seco e aroma delicado, que provém do amplo território ao longo da costa sul, especialmente no entorno da cidade de Ascoli Piceno.
Primordial ressaltar que todos estes excelentes vinhos são bastante interessantes se levarmos em conta o custo-benefício. Geralmente seu preço varia entre € 5 e € 10 nos supermercados e cerca de 30% a mais nos pequenos negócios alimentari localizados nos centros das cidades marchegianas. Infelizmente nunca encontrei nenhum deles desde que retornei de viagem, mas creio que, caso um dia isto venha a ocorrer, certamente ficarei sobressaltado em conseqüência dos nossos sempre abusivos valores.
No final do século XIX, 80% da população da Itália vivia direta ou indiretamente da produção do vinho e presenciou o desaparecimento da maior parte de seus vinhedos e de suas castas. Nesta época, toda Europa foi infestada pela praga filoxela, proveniente da América, que, por ser até então desconhecida do meio-ambiente europeu, provocou seu desequilíbrio, enfraquecendo as videiras e produzindo um suco intragável e propenso a doenças.
Em vinte e cinco anos, foram três as pragas que destruíram as parreiras européias e, na tentativa de encontrar uma vide resistente à elas, os métodos de vinicultura foram modificados para sempre. Como forma de remediação, adotaram-se porta-enxertos oriundos de cepas americanas, já resistentes aos danos da filoxela. Funcionou, a praga foi erradicada! E com isso, os atuais vinhos italianos, à exceção daqueles vindos das ilhas da Sicilia e Sardegna, têm ascendência americana.
Uma das situações mais prazeirosas quando se viaja para o exterior, é participar de um intercâmbio de informações culturais. Simples prosas, porém verdadeiras aulas. Deste modo, Roberto Frifrì, enólogo e chef do restaurante Noè, em Camerino, agraciou-me com fatos que até então eu desconhecia inteiramente.
O primeiro, curiosíssimo, é que a única forma de apuração do sabor do vinho é na ocasião em que o mesmo ainda se encontra nos silos de aço ou, então, dentro dos enormes barris de carvalho, bem antes do fabricante engarrafá-lo e colocá-lo à venda no mercado.
Em que isto é importante? Simples. Talvez muitos de vocês comprem determinado vinho e esperem um sem-número de anos para consumi-lo, com o intuito de se utilizarem desta passagem do tempo para aperfeiçoar seu sabor. É balela! Quando muito, o vinho bem conservado não perderá suas características originais, mas jamais aprimorará seu gosto.
Para desvelar a informação seguinte, Roberto indagou minha opinião acerca dos vinhos chilenos. Prontamente respondi-lhe que alguns estão, possivelmente, entre os melhores do mundo. Satisfeito com minha resposta, Roberto revelou-me que não somente os vinhos originários do Chile, mas de diversas partes do mundo, durante seu processo de fabricação, recebem açúcares e componentes químicos para equipararem-se, quando necessário, às safras anteriores bem sucedidas, deixando a bebida com gosto linear, agradável ao consumidor. Isto é, contudo, terminantemente vedado por lei na Itália, onde é feito rigoroso controle de produção, não sendo relevante se a safra anual foi pouco proveitosa ou se o tempo foi pérfido.
A propósito, a foto acima mostra o próprio Roberto Frifrì em nossa visita ao Borgo Paglianetto, uma cantina na cidade marchegiana de Matelica, cujo vinho, denominado Verdicchio, é considerado um dos mais nobres representantes da uva branca em todo o país.
Aqui, tomarei como base minhas experiências práticas e meus conhecimentos na matéria, embora confesse que sejam bastante acanhados, para dar-lhes algumas indicações dos melhores vinhos pertencentes à região de Marche. Fiquem tranquilos, somente direi minhas breves impressões, pois não tenho a menor pretensão em ser um "enochato".
Verdicchio DOC - já que lhe fiz menção, comecemos, por conseguinte, com este vinho histórico. De tonalidade amarelo-esverdeada, é produzido em duas regiões de Marche: Castelli di Jesi (província de Ancona) e a já citada Matelica (província de Macerata).
Em minha excursão ao Borgo Paglianetto, aprendi que o microclima do vale Sinclinale Camerte, território de produção do Verdicchio di Matelica, é ideal para o cultivo de uvas. Este local é particular, por ser o único vale de Marche posicionado do Norte para o Sul, protegido pela barreira de San Vicino (1.479 metros) a leste e pelos Monti Sibilini ao sul. A ótima exposição dos vinhedos ao sol, a constante ventilação, luminosidade e calor, aliados às mais modernas técnicas de vinificação, elevaram este vinho ao mais alto nível da enologia italiana.
Harmoniza perfeitamente com antipastos magros, massas, risotos e secondi piatti a base de peixe ou frutos do mar.
Offida DOC - outro rótulo "branco" que recebeu o selo DOC em 1999, este vinho, de coloração amarelo-palha, é produzido com uvas pecorino e passerina. Para aqueles que fizeram a associação com o queijo pecorino, feito com leite de ovelha, seu nome deve-se exatamente porque a uva Pecorino é plantada em áreas adequadas à pastagem destes animais. É ótimo com saladas e frutos do mar.
Rosso Conero DOCG - do solo calcário que se estende do Mar Adriático aos Apeninos saem também tintos de qualidade, a exemplo do Rosso Conero. A bebida, de um vermelho intenso, é comercializada após 2 anos de envelhecimento em barris de carvalho. Concilia com queijos staggionati, especialmente o pecorino di fossa.
Vernaccia di Serrapetrona DOCG - aqui temos um vinho de dupla fermentação, o mesmo procedimento utilizado para a criação dos espumantes. Sua produção somente é consentida em um território muito restrito, que compreende a comune di Serrapetrona e parte dos campos que rodeiam as cidades de Belforte del Chienti e San Severino Marche, todos na província de Macerata.
É feito, ainda, na versão secco, considerado vinho de meditação, ou seja, fuori pasto (fora da refeição), mas acompanha bem assados de carne. Na tipologia dolce combina com biscoitos, tortas e doces secos.
Lacrima di Morro d'Alba - este tinto origina-se das videiras nativas das pequenas vilas ao norte do rio Esino, área montanhosa com encostas em direção ao mar. É despretencioso e consumido jovem.
Rosso Piceno - vinho tinto de sabor seco e aroma delicado, que provém do amplo território ao longo da costa sul, especialmente no entorno da cidade de Ascoli Piceno.
Primordial ressaltar que todos estes excelentes vinhos são bastante interessantes se levarmos em conta o custo-benefício. Geralmente seu preço varia entre € 5 e € 10 nos supermercados e cerca de 30% a mais nos pequenos negócios alimentari localizados nos centros das cidades marchegianas. Infelizmente nunca encontrei nenhum deles desde que retornei de viagem, mas creio que, caso um dia isto venha a ocorrer, certamente ficarei sobressaltado em conseqüência dos nossos sempre abusivos valores.
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