segunda-feira, 12 de novembro de 2012

NOÈ WINE & FOOD - Minha Casa em Camerino



Hoje decidi discorrer acerca de dois temas interligados e que já foram abordados neste espaço: a comunidade de Camerino e o chef Roberto Frifrì. Isto porque, até aqui, apenas apontei o Roberto como um exímio conhecedor da bebida dos deuses - o que, diga-se de passagem, é a mais pura verdade -, contudo, antes de mais nada, nosso amável personagem é dono e chef de um simpático estabelecimento na cidade acima aludida: o famoso, ao menos para seus habitantes, Noè Wine & Food.

A Itália renascentista caracterizava-se pela existência de inúmeros pequenos estados, cada qual seguindo comportamento diverso em relação aos hebreus que, à época, chegavam à Península em ondas migratórias. Camerino era um importante centro de tráfego de mercadorias entre o porto de Ancona e Roma.

Em 1439, o Duque de Milão Francesco Sforza, que havia conquistado Ancona, precisando de pecunia numerata para o desenvolvimento e exportação dos produtos de Camerino, fez um acordo com os hebreus, que passaram a povoar a cidade por muitas gerações.

Porém, em 1545, Camerino tornou-se estado papal e passou ao domínio direto da Igreja Católica. Com isso, a nova política instaurada visou a conversão dos judeus ao cristianismo. Foi um período de repressão, degradação e segregação dos hebreus, que deveriam morar em zonas circunscritas. Criaram-se, assim, os guetos judaicos.



Mais tarde, os hebreus de Camerino foram convidados a alojar-se em uma pequena zona, entre a atual Piazza Garibaldi e a hoje desconsagrada Chiesa di San Francesco, no local que passou a ser conhecido como Giudecca: um emaranhado de casas simples cortadas por ruas estreitas e sinuosas, cujos prédios têm janelas que somente se abrem para o interior do bairro, e este, por ser estrategicamente construído, de forma que um edifício abrace seu vizinho, tornou dispensável erguer muros que o "isolassem" do restante da cidade.

Atualmente os hebreus não mais se encontram em Camerino. Foram expulsos em 1569. Para trás, deixaram sua história, bem-feitorias e o agradável Vicolo della Giudecca.

Ufa, chega! Eu sei que tergiversei um pouco, mas resolvi compor, de forma perfunctória, a passagem acima, apenas para situá-los em relação à localização do Noè Wine & Food, praticamente apenso ao quartiere judaico, restando imediatamente em uma de suas duas saídas, no Largo Boccati.



A osteria do Roberto não prima pelo luxo. Ao contrário, não poderia ser mais simples. O local é composto por uma sala única com, no máximo, oito mesas espalhadas pelo seu interior, além de um pequeno balcão e da cozinha, de onde saem os quitutes do chef. Cabe-me ressaltar que a higiene do restaurante é impecável e o atendimento rápido e atencioso.



O menu é a prova de que se trata de um espaço quase familiar. Notem os valores sugeridos pelo chef, talvez o restaurante mais econômico da cidade. Ademais, o cardápio é renovado a cada semana, dependendo da estação do ano, embora algumas opções permaneçam ad eternum.



Ilustro, a patir de agora, alguns pratos que comi no Noè. Começo, portanto, com essas Olive Ascolani 5 ). Já expliquei o que são, no post sobre a Pizzeria Da Baffetto, então aqui acrescento apenas que estas estavam superiores àquelas. Possivelmente porque Camerino é praticamente vizinha da cidade marchegiana de Ascoli Piceno, berço destas maravilhas.



A seguir, este saborosíssimo Tagliatelle con gorgonzola, tartufo e pistacchi 8 ). Diferente dos sabores de massa que já experimentei no Brasil, foi uma grata surpresa. Ingredientes de qualidade e não veio afogada no próprio molho.



Eis o melhor prato que degustei no Noè, um Risotto con taleggio e radicchio 8 ). Risotto é uma especialidade italiana e provei os mais fantásticos de minha vida no Bel Paese, mas este sempre recordarei com carinho. O diferencial é o taleggio, um queijo semimole cremoso, de fragrância suave, tradicional do norte da Itália, e que, por não ser enjoativo, casou muito bem com a chicória.



Os secondi piatti do Noè são singelos, geralmente boi, porco ou carneiro grelhados, o que não os tornou menos desejados por mim. Dentre os muitos que comi, destaco dois, até para que esta leitura não fique extensa e cansativa. O primeiro é este Paillard al balsamico, grana e pesto di rucola 8 ). A foto é autoexplicativa: dois finos filés de vitela cobertos pelo delicioso queijo grana padano e regados no vinagre balsâmico.



E, por fim, estes Polpettoni con pancetta (  8 ). Macios, super temperados, no ponto exato (para meu gosto, evidentemente) e envoltos por uma fina tira de bacon. Lembrou-me bastante um bife hamburguês.



Como também já mencionei em publicações passadas, na Itália dificilmente os pratos vêem com acompanhamentos. Estes têm que ser solicitados à parte. Escolhi as Patate arrosto 2,5 ), cortadas em forma de pastéis.

Estive no Noè inúmeras vezes em minha última ida à Itália. Devido a todas as qualidades que elenquei ao longo deste post, recomendo decididamente a todos vocês que um dia resolverem aventurar-se por Camerino. Certamente  sairão muito bem alimentados e tão satisfeitos quanto eu. E, quem sabe, escutarão, ainda, alguma pérola do Roberto Frifrì, sempre muito cortês e atencioso com seus clientes.

ENDEREÇO:
Largo Boccati, 6, Camerino
Tel. +39 0737 630 874
http://www.noewineandfood.it/

domingo, 16 de setembro de 2012

RISTORANTE ALL'ORO - Aqui tudo que Reluz é Ouro

Ao criar este espaço, não direcionei sua função primordial à exposição de estabelecimentos gastronômicos requintados e/ou caros, uma vez que meu intuito seria justamente apresentar locais acessíveis a todos os viajantes interessados em dedicar parte de seu tempo ao desfrute da boa mesa, sem a necessidade de dispender enormes fortunas. Claro, há exceções que se fazem obrigatórias e sinto-me imbuído a dividi-las com vocês.

O restaurante aduzido hoje é, na verdade, uma meia exceção. Se não é propriamente caro, tampouco pode ser intitulado barato. Entretanto, considerando como diferencial a qualidade do preparo, a apresentação de seus pratos e o frescor de seus ingredientes, chegaremos à conclusão de que é legítimo cada centésimo de euro gasto, e me arrisco a dizer que, se duplicassem suas cifras, ainda assim as pagaria de bom grado.

O Ristorante All'Oro nasce em 2007, como resultado da colaboração do chef Riccardo di Giacinto, de sua mulher Ramona e sua cunhada Carmela. O local escolhido está situado no coração da Zona Parioli, vizinhança romana relativamente próxima à histórica via Veneto e à esplêndida Villa Borghese.

Antes de prosseguir, faço uma observação: o  restaurante é muito escuro (praticamente à luz de velas) e todas as fotografias que tirei com flash saíram alvacentas. Por sorte, encontrei algumas imagens no google, portanto, sempre que possível, substituirei minhas "obras de arte" por outras, de melhor qualidade, para facilitar a ilustração do texto.



Seu ambiente é moderno e elegante, sem ser pedante. Destaca-se, essencialmente, pela sua informalidade e intimidade, com não mais que vinte e quatro confortáveis assentos, dispostos em uma pequena sala dominada pelas cores branco e, obviamente, áurea.

O All'Oro introduz uma cozinha criativa, radicada nos sabores da tradição: o chef reinterpreta, com grande paixão e personalidade, imortais clássicos italianos, utilizando-se de técnicas contemporâneas, porém jamais desrespeitando suas origens. Tudo é rigorosamente feito na própria casa, dos pães aos grissini, passando pelas massas e folhados e culminando nos doces e petit-four.

Todo este cuidado rendeu ao All'Oro uma preciosa estrela no Guia Michelin. Para vocês terem noção, Roma possui cerca de 3.300 restaurantes e pizzarias em seu perímetro urbano e somente onze deles perceberam esta glória. Deste modo, observa-se como o All'Oro tem pedigree, apesar de ser uma instituição jovem.



O menu oferece duas opções de degustazione, com 4 ou 6 pratos ( 69 ou 85). Lembrando que esta é uma daquelas casas que serve refeições de tamanho diminutos.

Ao contrário de demais restaurantes do gênero, o All'Oro dá ao cliente a liberdade de escolha dos pratos. Achei divertido montar o meu jantar e o cardápio ajuda, pois é enxuto: são apenas 5 seleções de antipasti, 5 de primi, 5 de secondi e 5 de dessert.

A foto acima, corresponde ao couvert da casa. São cinco tipos de pães, caprichosamente ordenados em um simpático cesto e acompanhados por um azeite extra-virgem da região do Lazio.



Junto ao couvert, aterrissou na mesa, um amuse-bouche do chef. Tratava-se de um levíssimo canapé de polvo marinado e desfiado. Prenúncio de que aquela seria uma noite própria a fidalgos, e não para simples plebeus.



Meu primeiro prato foi o Tiramisù di Baccalà e patate con lardo di Cinta Senese. Certamente, além de belo, uma das melhores escolhas da noite. O creme é rico em sabor, acentuado pelo gosto da banha de porco Cinta Senese, prestigiosa raça de suínos.



Segui com este Rocher di Coda alla Vaccinara con Gelee di Sedano. Aqui o chef abusa da criatividade: imaginem que isto nada mais é do que rabada, porém desconstruída e remontada para assemelhar-se a um singelo bolinho de carne. Adorei a geléia de aipo, que rendeu um corte no gosto encorpado da carne.



Com o término dos antipasti, deu-se lugar às massas, um dos pontos altos da noite. O Spaghetti Mario Monti faz uma brincadeira com um clássico da cozinha marchegiana, o spaghetti mare e monti, e o primeiro ministro italiano Mario Monti, gestor da Itália em época de crise econômica. Explico: o spaghetti mare e monti é uma receita substanciosa, composta por diversos ingredientes custosos, tais como cogumelos, frutos do mar e uma gama de legumes. Contudo, o spaghetti Mario Monti leva tão somente cebola, em formas de creme, tempero e granulados crocantes. Sobressai, principalmente, o ponto do spaghetti, bastante al dente.



Imediatamente após, avistei o prato que mudou meu conceito de massa. Sem exageros ou demagogia, jamais provei algo como este Raviolini di Mascarpone con Ragout di Anatra e Riduzione di Vino Rosso. A particularidade é que pato não é o recheio do raviolini, mas integrante do molho. O que ocupa todo o interior da massa é o queijo mascarpone, liquefeito, fumegante, absurdamente divino.

Fui terminantemente proibido, pelo maitre da casa, de partir a massa na louça. Em suas chocantes palavras "isto seria um assassinato, e o queijo sairia como sangue. O correto é desfazê-la, com um estrépito, no seu palato". Dito e feito. Tão logo levei o garfo à boca, senti-me imerso em um mundo até então ignoto. Sem dúvida alguma, o melhor da noite!



O secondo piatto, que, na realidade, era o quinto, chamava-se La Quaglia... Petto Farcito e Coscia Laccata 'Nduja e Miele, Pure di Patate con il suo Ovetto in Tegame. Traduzindo: A codorna... peito recheado e coxa laqueada com 'nduja (que é um salame pastoso e super picante da Calabria, região do sul da Itália) e mel, sobre leito de puré de batatas e com seu ovo frito. Uma protagonista fabulosa, cuja coxa, tinha consistência quase de manteiga. Uma salva de palmas para a codorna!



Hora da sobremesa e o All'Oro manteve a sua inspiração. O Tutti di Cioccolato era divertidíssimo. Ali, tinham-se diversos gostos e texturas do doce feito a partir do cacau: fios de chocolate ao leite, mousse de chocolate meio-amargo, gotas de chocolate branco, trufa açucarada, chocolate em pó e chantilly de chocolate. Senti-me o próprio Willy Wonka!



E, como se não bastasse, quando dei-me por satisfeito e solicitei uma xícara de café, à esta uniu-se o que o restaurante denomina Piccola Pasticceria, ou seja, docinhos variados, como bombom, madeleine, macaron e tartelete.

Por fim, o próprio chef Riccardo di Giacinto saiu da proteção de sua cozinha para apresentar-se e presentear-me com a edição 2012 do Guia Italiano dos Jovens Restaurateurs Europeus (mais uma das muitas delicadezas da casa). Veementemente, indico o All'Oro a todos que almejam uma refeição inesquecível em Roma. E, admitamos, após verem e lerem o post, este não mais lhes parece um restaurante caro, não é mesmo?

ENDEREÇO:
Via Eleonora Duse 1E, Zona Parioli, Roma
Horários: terças a sextas, das 12:30 às 2:30; segundas a sábados, das 19:30 às 23h
Tel. +39 06 97996907
http://www.ristorantealloro.it/fisso/ita/home.html

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

CAFFÈ GILLI - o Luxo tem um Apetite Insaciável



Dia desses, estava eu na tradicionalíssima Confeitaria Colombo, elegante estabelecimento no centro do Rio de Janeiro, devorando algumas torradas Petrópolis enquanto tagarelava entre amigos. Foi quando um deles, tomado por um repentino orgulho de ser carioca, exclamou em alto e bom som: "esta casa é ímpar. Já rodei parte do mundo e jamais vi algo igual."

Refleti por alguns minutos para chegar à conclusão de que havia uma certa veracidade naquela afirmação: nossa Colombo é um deleite visual e gastronômico. Não obstante, em minhas raras andanças ao redor do globo, em especial pela Itália, achei-me em instituições que, apesar de serem representantes de estilos arquitetônicos e artísticos diversos ao presente na Colombo, eram igualmente embasbacantes. Dentre elas, sobressaem-se o histórico Caffè Florian, na Pizza San Marco, em Venezia, local escolhido por Charles Dickens e Rousseau; o imponente e suntuoso Antico Caffè Greco, na Via Condotti, a rua mais "cara" de Roma; e o adorável, distinto e incrivelmente aconchegante Caffè Gilli, no Berço do Renascimento, a inesquecível Firenze.



Meu destaque, neste post, é precisamente este último. Comecemos, então, com um pouco de história:

Em 1733, na Firenze de Gian Gastone de' Medici, a família suíça Gilli abre, na Via de' Calzaiuoli, em pleno centro histórico da cidade, uma pequena cafeteria chamada La Bottega dei Pani Dolci. A casa fez sucesso instantâneo, tendo inclusive como clientes assíduos alguns integrantes da nobreza florentina.

No início do século passado, finalmente se muda, já com o atual nome, para sua presente localização, na Piazza della Repubblica, então conhecida como Piazza Vittorio Emanuele.

Durante o período do Futurismo, Gilli é frequentado por intelectuais e escritores e torna-se local de discursos políticos inflamados. Passa a ser ponto de encontro de artistas e pintores do calibre de Doni, Caligani, Pozzi e Pucci.

Com o término da 2ª Grande Guerra, a casa faz-se, também, um reduto objeto de desejo para jovens e turistas. Hoje, tal como naquela época, esta cafeteria de dois séculos e meio de idade, possui uma freguesia eclética, formada por simples "peregrinos" curiosos até cidadãos pomposos e notáveis.



Ao ingressar na casa,  meus olhos, primeiramente, pararam no bar com sua bancada de mármore verde malaquita. Ao fundo, garrafas de whiskys, licores e outras bebidas alcólicas fazem a decoração desta ala. Pode-se ver, ainda, inúmeras cafeteiras atrás de um punhado de esmerados baristas portando trajes irrepreensíveis, e que demonstram incrível coordenação e organização no momento de atender às solicitações das muitas mesas do Gilli.



Próximo à entrada, há um fascinante mostruário, exibindo garbosamente alguns dos mais belos doces em que já pus meus olhos: são crostate di fragole, bignés com chantilly, cannoli açucarados e crocantes, profiteroles entupidos de creme e regados com ganache de chocolate dentre muitos outros. Imaginem como eu, com meu espírito de gordo, senti-me ao defrontar com essas pequenas obras de arte.


Anexo ao bar, encontra-se o salão principal da casa. Seu estilo Liberty é rebuscado, com paredes marfim, arcos, lustres feitos de vidro Murano e teto com afrescos. Aqui, passei algumas jornadas, geralmente na hora do poente, para aquecer-me junto aos termosifoni, bebericando uma cioccolata calda e degustando um ou dois tramezzini.

Como infelizmente não me lembrei de tirar fotos, cabe-me explicar que tramezzino é um tipo de sanduíche que pode ser encontrado em toda a Itália. Deve seu nome ao dramaturgo, escritor e intelectual Gabriele D'Annunzio, que uniu duas palavras italianas, tra e mezzo, as quais, traduzidas para o português, significam, respectivamente, entre e meio, ou seja, é feito com pão quadrado e recheado pelos mais variados sabores. Simples, não?

No Gilli, particularmente, os seus preços são um tanto quanto inflacionados (algo em torno dos  8). Na verdade, é evidente que, dada sua história, não estou tratando de um café econômico. Exemplo disto é o expresso da casa, que custa  4, quando em outros estabelecimentos do país, pode ser comprado pela quarta parte deste valor.

Ainda assim, aconselho-os: não deixem de conhecer o Gilli. Vocês certamente terão maior dispêndio lá do que em outros cafés de Firenze, contudo renegá-lo seria o equivalente a um estrangeiro, de férias no Rio de Janeiro, optar por não ir à nossa magnífica Confeitaria Colombo.

ENDEREÇO:
Via Roma, 1R, Firenze
Horários: todos os dias, exceto às terças, das 8h às 24h (nos meses de novembro a fevereiro, fecha às 21h)
Tel. +39 055 213896
http://www.gilli.it/

domingo, 19 de agosto de 2012

ESPECIAL - Melhores Vinhos de Marche



Tenho muito apreço pelo bom gosto do Deus Bacco, afinal partilhamos da mesma atração pelo vinho. E, quando o assunto é esta bebida alcólica, obtida a partir da fermentação do sumo da uva, a Itália surge, na atualidade, como seu maior produtor e exportador no mundo. Para se ter uma idéia,  trata-se do país que nos apresentou obras-primas como o Barolo, o Barbaresco, o Brunello de Montalcino e o Amarone della Valpolicella. Em outras palavras, é a Meca para todos os amantes da bebida dos deuses.

Ao notarmos o eterno casamento entre o italiano e o vinho, jamais poderíamos supor que esta história por pouco deixou de ser trágica, uma vez que, por vários anos, desde 1862, a uva esteve próxima de sumir completamente do país.

No final do século XIX, 80% da população da Itália vivia direta ou indiretamente da produção do vinho e presenciou o desaparecimento da maior parte de seus vinhedos e de suas castas. Nesta época, toda Europa foi infestada pela praga filoxela, proveniente da América, que, por ser até então desconhecida do meio-ambiente europeu, provocou seu desequilíbrio, enfraquecendo as videiras e produzindo um suco intragável e propenso a doenças.

Em vinte e cinco anos, foram três as pragas que destruíram as parreiras européias e, na tentativa de encontrar uma vide resistente à elas, os métodos de vinicultura foram modificados para sempre. Como forma de remediação, adotaram-se porta-enxertos oriundos de cepas americanas, já resistentes aos danos da filoxela. Funcionou, a praga foi erradicada! E com isso, os atuais vinhos italianos, à exceção daqueles vindos das ilhas da Sicilia e Sardegna, têm ascendência americana.



Uma das situações mais prazeirosas quando se viaja para o exterior, é participar de um intercâmbio de informações culturais. Simples prosas, porém verdadeiras aulas. Deste modo, Roberto Frifrì, enólogo e chef do restaurante Noè, em Camerino, agraciou-me com fatos que até então eu desconhecia inteiramente.

O primeiro, curiosíssimo, é que a única forma de apuração do sabor do vinho é na ocasião em que o mesmo ainda se encontra nos silos de aço ou, então, dentro dos enormes barris de carvalho, bem antes do fabricante engarrafá-lo e colocá-lo à venda no mercado.

Em que isto é importante? Simples. Talvez muitos de vocês comprem determinado vinho e esperem um sem-número de anos para consumi-lo, com o intuito de se utilizarem desta passagem do tempo para aperfeiçoar seu sabor. É balela! Quando muito, o vinho bem conservado não perderá suas características originais, mas jamais aprimorará seu gosto.

Para desvelar a informação seguinte, Roberto indagou minha opinião acerca dos vinhos chilenos. Prontamente respondi-lhe que alguns estão, possivelmente, entre os melhores do mundo. Satisfeito com minha resposta, Roberto revelou-me que não somente os vinhos originários do Chile, mas de diversas partes do mundo, durante seu processo de fabricação, recebem açúcares e componentes químicos para equipararem-se, quando necessário, às safras anteriores bem sucedidas, deixando a bebida com gosto linear, agradável ao consumidor. Isto é, contudo, terminantemente vedado por lei na Itália, onde é feito rigoroso controle de produção, não sendo relevante se a safra anual foi pouco proveitosa ou se o tempo foi pérfido.



A propósito, a foto acima mostra o próprio Roberto Frifrì em nossa visita ao Borgo Paglianetto, uma cantina na cidade marchegiana de Matelica, cujo vinho, denominado Verdicchio, é considerado um dos mais nobres representantes da uva branca em todo o país.

Aqui, tomarei como base minhas experiências práticas e meus conhecimentos na matéria, embora confesse que sejam bastante acanhados, para dar-lhes algumas indicações dos melhores vinhos pertencentes à região de Marche. Fiquem tranquilos, somente direi minhas breves impressões, pois não tenho a menor pretensão em ser um "enochato".



Verdicchio DOC - já que lhe fiz menção, comecemos, por conseguinte, com este vinho histórico. De tonalidade amarelo-esverdeada, é produzido em duas regiões de Marche: Castelli di Jesi (província de Ancona) e a já citada Matelica (província de Macerata).

Em minha excursão ao Borgo Paglianetto, aprendi que o microclima do vale Sinclinale Camerte, território de produção do Verdicchio di Matelica, é ideal para o cultivo de uvas. Este local é particular, por ser o único vale de Marche posicionado do Norte para o Sul, protegido pela barreira de San Vicino (1.479 metros) a leste e pelos Monti Sibilini ao sul. A ótima exposição dos vinhedos ao sol, a constante ventilação, luminosidade e calor, aliados às mais modernas técnicas de vinificação, elevaram este vinho ao mais alto nível da enologia italiana.

Harmoniza perfeitamente com antipastos magros, massas, risotos e secondi piatti a base de peixe ou frutos do mar.



Offida DOC - outro rótulo "branco" que recebeu o selo DOC em 1999, este vinho, de coloração amarelo-palha, é produzido com uvas pecorino e passerina. Para aqueles que fizeram a associação com o queijo pecorino, feito com leite de ovelha, seu nome deve-se exatamente porque a uva Pecorino é plantada em áreas adequadas à pastagem destes animais. É ótimo com saladas e frutos do mar.

Rosso Conero DOCG - do solo calcário que se estende do Mar Adriático aos Apeninos saem também tintos de qualidade, a exemplo do Rosso Conero. A bebida, de um vermelho intenso, é comercializada após 2 anos de envelhecimento em barris de carvalho. Concilia com queijos staggionati, especialmente o pecorino di fossa.



Vernaccia di Serrapetrona DOCG - aqui temos um vinho de dupla fermentação, o mesmo procedimento utilizado para a criação dos espumantes. Sua produção somente é consentida em um território muito restrito, que compreende a comune di Serrapetrona e parte  dos campos que rodeiam as cidades de Belforte del Chienti e San Severino Marche, todos na província de Macerata.

É feito, ainda, na versão secco, considerado vinho de meditação, ou seja, fuori pasto (fora da refeição), mas acompanha bem assados de carne. Na tipologia dolce combina com biscoitos, tortas e doces secos.



Lacrima di Morro d'Alba - este tinto origina-se das videiras nativas das pequenas vilas ao norte do rio Esino, área montanhosa com encostas em direção ao mar. É despretencioso e consumido jovem.



Rosso Piceno - vinho tinto de sabor seco e aroma delicado, que provém do amplo território ao longo da costa sul, especialmente no entorno da cidade de Ascoli Piceno.

Primordial ressaltar que todos estes excelentes vinhos são bastante interessantes se levarmos em conta o custo-benefício. Geralmente seu preço varia entre  5 e  10 nos supermercados e cerca de 30% a mais nos pequenos negócios alimentari localizados nos centros das cidades marchegianas. Infelizmente nunca encontrei nenhum deles desde que retornei de viagem, mas creio que, caso um dia isto venha a ocorrer, certamente ficarei sobressaltado em conseqüência dos nossos sempre abusivos valores.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

TRATTORIA SPAGHETTERIA DA LASTRI - Boa, Bonita e Barata



Seria praticamente uma leviandade considerarmos Pisa somente como a casa do projeto arquitetônico que revelou-se terrivelmente equivocado, o mítico campanile di Santa Maria, mundialmente conhecido como a Torre de Pisa.

Erguida em terreno cujo subsolo é saturado de água, a torre do sino do Duomo da cidade, começou a inclinar-se imediatamente após a conclusão de suas obras, atingindo quatro metros e meio fora de seu eixo original (o que, convenhamos, somente conferiu maior destaque à cidade). Seu desvio contribuiu, entretanto, essencialmente para o desenvolvimento da física. Explico:

Aperfeiçoador do telescópio, inventado em 1607 pelo holandês Hans Lippershey, o astrônomo, cientista e físico Galileo Galilei utilizou-se do mesmo para realizar inúmeras descobertas ao longo de sua vida, tais como os satélites de Júpiter, os anéis de Saturno e a existência das manchas solares.

Ficou todavia famoso, sobretudo, em decorrência de sua lei da queda dos corpos. Considerando com cepticismo a teoria de que os corpos caíam com uma velocidade diretamente proporcional ao seu peso, o filho mais ilustre de Pisa realizou seguidos ensaios, nos quais derrubava objetos do alto da Torre Pendente, aproveitando-se de sua inclinação. Concluiu, assim, que a distância percorrida na queda aumenta na proporção do quadrado do tempo levado a percorrê-la.



A torre famosa é apenas um dos muitos haveres da Piazza dei Miracoli, centro histórico, artístico e turístico de Pisa, construído para ostentar o poderio desta cidade frente às mais influentes Firenze e Siena,  e que compreende outros monumentos - a Cattedrale di Santa Maria Assunta, o Battistero di San Giovani e o Camposanto monumentale - igualmente impressionantes e imortalizados nas diversas lojas de souvenires espalhadas no entorno da praça.



Pisa não é particularmente conhecida por possuir bons restaurantes ou uma cozinha própria marcante, então confesso que apostei na minha sorte ao não me preocupar em antever quais seriam as melhores possibilidades gastronômicas da cidade, o que é sempre temerário, uma vez que poderia acarretar em uma experiência desastrosa. Contudo, desta vez, meu final foi venturoso.

Sem imaginação e pernas, decidi-me por estacionar em algum estabelecimento próximo à Piazza dei Miracoli e defrontei-me, na vizinha Via Roma, com um seguimento de restaurantes, bares e cafés. Sabedor de que me encontrava em um centro turístico, optei pela casa que a mim figurou-se como a mais simpática. E assim cheguei à Trattoria da Lastri.



Estejam atentos, primeiramente, ao fato deste restaurante ter recebido algumas críticas negativas em sites especializados em turismo. Certamente não é nenhuma unanimidade, mas posso afirmar-lhes que tive um almoço despretencioso, econômico e aprazível no Lastri e, como opinião é um conceito relativo, embora respeite as de outros indivíduos, somente sinto-me apto a manifestar-me após viver minhas próprias aventuras. E, seja no quesito serviço, como nos ambiente ou comida, o Lastri jamais me decepcionou.



A decoração do Lastri é bem eclética, mas sem exageros e excesso de informação. Seu estilo mistura o rústico, de arcos e tijolos aparentes nas paredes,  ao clássico, com seu piso de mármore e cadeiras características do início do século passado. É simples, porém atraente e aconchegante.

Destaque para os potinhos de farmácia sobre a janela da cozinha, que conferem um ar caseiro ao lugar.



Sempre que tenho minhas descrenças no tocante ao restaurante em que me encontro, procuro não complicar, dando primazia ao que de mais básico a casa puder me oferecer. Com este pensamento em mente, fui de Gnocchi Bolognese 8 ), e não errei. Apenas meu apetite estava voraz, e este prato foi insuficiente para saciá-lo.



A belezura aí em cima, a Lasagna della Casa 7 ) tratou de resolver esta questão. Adorei! Massa macia, carne bem temperada, com molho béchamel, cremoso como poucos que já provei. Fosse aqui no Brasil, certamente custaria três vezes mais.

Alcanço, portanto, meu diagnóstico a respeito da Trattoria Lastri. Por toda má-fama que recebem os restaurantes de Pisa, ainda que este vise ao público turista, posso dizer-lhes que meu almoço esteve longe de ser ruim ou enfadonho. Aconselho para aqueles que pretendam aproveitar seu tempo visitando as atrações da cidade e que, em conseqüência disto, aspirem a uma refeição rápida e modesta.

ENDEREÇO:
Via Roma, 66, Pisa
Tel. +39 050 561908

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

RISTORANTE DA MEO PATACCA - O Paraíso dos Turistas em Roma

Havia um homem. Um policial, para ser mais exato. Todos os moradores daquele lado da cidade o conheciam e o cumprimentavam diariamente, tendo como retribuição seu sorriso amável e caloroso. Era muito respeitado.

Passavam das oito horas daquela noite. As ruas se esvaziavam rapidamente, na mesma proporção que a temperatura caía. A sensação de tranqüilidade e segurança trazidas pelo sol há muito tinha dado lugar ao bruxulear das luzes fantasmagóricas, característica marcante das ruas do Trastevere de 1920 após o anoitecer. As últimas portas de estabelecimentos comerciais fechavam-se estrondosamente. Aos poucos, as janelas dos lares exibiam diferentes cores e claridades e, em alguns pontos, já era possível sentir o aroma de comida caseira sendo preparada.

Como de hábito, nosso policial fazia sua rotineira patrulha noturna, com a mesma disposição e empenho de sempre. Mas havia algo diferente no ar, o que, é claro, não fugiu aos olhares curiosos dos moradores que ali se encontravam. É sabido que os policiais em Roma sempre circulam em duplas, mas, pela primeira vez desde que fora transferido para a circunscrição do Trastevere, ele achava-se desacompanhado. Por que? Ninguém sabia responder a esta indagação.

Depois, apenas descreveram que ele fora visto marchando por entre as labirínticas ruas do bairro, com passos firmes e ar determinado, até chegar ao estreito Vicolo de' Cinque, aonde adentrou em uma residência, para de lá nunca mais sair.

Sua esposa e filhos passaram meses, anos, esperando pelo seu retorno, que jamais aconteceu. Qual teria sido o destino de nosso protagonista? Qual a explicação para tão insólito epílogo da vida deste cidadão? Este denso mistério, ainda hoje, permanece sem solução.

Quando Michele, recepcionista do hotel no qual me hospedo ao visitar Roma, calou-se, permaneci cerca de dez segundos com meus olhos arregalados e sem piscar, tamanha era minha imersão na história que acabara de ouvir. Sempre fui um apaixonado por lendas e contos locais. Creio que enriqueçam uma viagem e dêem particularidade a uma cidade. E pensar que tudo começou com uma simples menção que eu fiz ao nome Trastevere.



O Trastevere fica na margem oeste do rio Tevere (Tibre, em português) e é o mais antigo e, porque não, um dos mais fascinantes bairros da capital italiana, com sua grande tradição histórica, fértil em eventos e anedotas, que sobrevivem na memória popular e tornam-se parte do encantador folclore romano. Destino e atração para turistas de todo o mundo, é, ainda, ponto de encontro para adolescentes e jovens romanos que ocupam as ruas do bairro durante toda a noite.

Hoje, o Trastevere é igualmente famoso pelos seus restaurantes, muitos dos quais lhe conferem um ar boêmio com suas mesas e cadeiras postas nas praças, ruas e esquinas.



Foi no coração do Trastevere que deparei-me com a belíssima Piazza dei Mercanti, sítio que outrora funcionava como sede para encontros de capitães, mercadores e proprietários de navios que se instalavam no porto vizinho de Ripa Grande.



Lá, estive em um restaurante super-lotado chamado Meo Patacca, ideal para quem procura um jantar divertido, acústico e teatral. Calma, irei explicar-me para que entendam.


Com sua iluminação ambiente à gás e velas, decoração característica, garçons em trajes de época e atmosfera de uma pitoresca pousada do início do século XIX, o Meo Patacca é um programa diferente e uma experiência única em solo romano. Aqui, conserva-se o espírito da Roma malandra e brincalhona.



Não se enganem, o Meo Patacca é, antes de tudo, uma aventura turística, especialmente se vocês resolverem tomar assento na área externa do restaurante. Prova disto, são os cantanti típicos que visitam todas as mesas, narrando chistes e bradando cantigas romanas.

Quando eu pensei "ok, é isso", eis que sou surpreendido pelo início de uma autêntica peça teatral. Do andar superior do prédio, surge uma linda mulher, debruça-se na sacada e começa a jogar beijos para os cantores. Estes, por sua vez, correspondem entoando melodias românticas para sua musa.

Vem à cena, então, o marido traído, pançudo, segurando uma frigideira e portando pijama (com gorrinho de dormir e tudo). Chega puxando sua esposa da sacada, para após gesticular e urrar em direção aos "mariachi", que apenas sorriem e divertem-se ao som de músicas de celebração.

Ao término da apresentação, os "atores" são agraciados com uma salva de palmas, vindas das diversas mesas do restaurante, todas apinhadas de turistas. A mesa contígua à minha era composta por italianos, mas acredito que também sejam viajantes. Sei lá, não consigo imaginar romanos nativos comendo lá. Não porque seja ruim - não é - mas por ser um programa voltado ao turismo.



Basta! Vamos, sem mais delongas, aos pratos! Comecemos, então, por este Ravioli alla Menta con Ragù Bianco d'Agnello e Pecorino ( € 14 ).

Por mais que eu aprecie determinados restaurantes especializados em cozinha italiana aqui no Brasil (poucos!), sempre me causa espanto a forma como os italianos cuidam de seus pratos em sua terra natal. A massa chegou al dente, com a quantidade suficiente de carne de carneiro e recheada de queijo de ovelha e folhas de menta. São ingredientes simples, mas que ficam incríveis quando unidos.


Após, submeti-me à um prato que há muito desejava provar, a Coda alla Vaccinara ( € 16 ). Obviamente rabada não é a comida mais bonita de se ver, mas no tocante ao sabor, que é o que realmente importa, passou no teste. Substanciosa, bem temperada e macia, a rabada não admite preguiçosos, já que exige trabalho considerável para desossá-la.

Nota importante: na Itália, os pratos não vêem à mesa, em regra, com contorni (acompanhamentos). É necessário solicitá-los separadamente, ou seja, somam-se mais alguns poucos euros na conta. Neste caso, pedi uma porção de Patatine Fritte ( € 5 ).



Agora, o momento festa infantil. Primeiro com uma fatia de Torta di Limone ( € 6 ), com massa molhada e ligeira, coberta com glacé e recheio azedo de limão...



... seguida por esta Torta di Gelato ( € 6 ) cheia de adornos e cores, super divertida de ver e comer. Senti o gostinho da minha infância a cada colherada.

Para quem não faz nenhuma questão de comer doces, até que eu estava uma formiguinha naquela noite. Acredito que eu tenha sido contaminado pelo ambiente vívido e sonoro do Meo Patacca (bem como pelo litro de vinho consumido). Afinal, quem era eu senão um turista no "Paraíso dos Turistas em Roma"?

ENDEREÇO:
Piazza dei Mercanti, 30, Roma
Horários: todos os dias, das 19:30 às 23:30
Tel. +39 06 5816198
http://www.ristorantedameopatacca.com/
Recomendam-se reservas

quarta-feira, 25 de julho de 2012

CANTINETTA ANTINORI - Tradição, Paixão e Intuição

Meu despertador soou e acordei de sopetão e meio contrariado. Ainda sonolento, morosamente espantei a preguiça para enfim deixar o conforto quase materno da minha cama. Abri a janela somente para ter certeza de quão rigoroso estava aquele inverno na Itália. Mas hoje eu não tinha tempo para indolência, afinal havia me comprometido, na véspera, a encontrar-me com Marcelo, meu primo que reside, há muitas luas, em Firenze. E, como até então não o conhecia, minha rotineira tranqüilidade deu lugar a um misto de excitação pela novidade e preocupação em ser pontual.

Por sorte, meus temores haviam sido em vão. Quando cheguei ao nosso ponto de encontro, na Piazza della Republica, Marcelo não se achava em nenhum lugar que meus olhos pudessem alcançar. Foi neste momento que recordei-me de não estar na Inglaterra, porém na Itália e, conforme havia aprendido com um nativo, in Italia va bene arrivare con cinque minuti di ritardo.

Atravessei a praça, cortando um grupo de crianças que ziguezagueavam entre si, numa interminável farândola, e aportei em frente a uma loja de departamentos para fugir do vento gélido e cortante. Passei a admirar um casal muito idoso que, vizinhos a mim, discutiam  calorosamente, embora sempre respeitosos, sobre os malefícios do cigarro. Minha risada surgiu baixa e involuntária, ao imaginar que esses senhores certamente já faziam parte da paisagem florentina.

Neste meu momento de distração, senti uma mão pousar sobre meu ombro direito. Virei-me de sobressalto para enxergar um homem de seus quarenta anos e sorriso tímido - prazer, sou Marcelo, disse ele.

Lembro-me que nos dirigimos a um café próximo, sentamos na mesa mais afastada do balcão e pedimos o que todo italiano come em seu desjejum: um belo cornetto acompanhado por um robusto e abrasador cappuccino, enquanto confabulávamos sobre os mais variados temas.

Dotado de uma passageira, porém crescente curiosidade, interroguei-o sobre os prós e contras de sua vida na cidade berço do Renascimento, e qual não foi a minha perplexidade ao tomar conhecimento de que meu primo havia sido casado com uma donna da secular e influente família Antinori.



Os Antinori são oriundos de Val di Sieve, zona toscana conhecida pelos vinhos Chianti Rùfina DOCG e Pomino DOC, contudo, nos primórdios do Duecento, devido aos danos significativos que suas terras sofreram, ocasionados pelas guerras entre os Guelfi e os Ghibellini, transferiram-se para Firenze.

Bastante influentes politicamente, os Antinori eram uma família mercante inscrita na Arte della Seta, uma das sete grandes corporações de arte e ofício de Firenze na Idade Média. Posteriormente, devido à sucursais que abriram em Bruges e Lyon, e da rede de negócios que elaboraram por toda Europa, também fixaram-se na guilda dos banqueiros, denominada Arte del Cambio.

Porém foi através da produção de vinhos que os Antinori fizeram-se dominantes. Em 1385, Giovanni di Piero Antinori tornou-se membro da Arte dei Vinattieri, a organização dos enólogos de Firenze. Desde então, são mais de seis séculos e vinte e seis gerações dos Antinori envolvidas na produção de vinhos, que atingiram níveis de excelência nas muitas fazendas na região do Chianti.

Hoje, o Marquês Piero Antinori está a frente dos negócios da família, e é o encarregado em manter a tradição, a paixão e a intuição, princípios básicos da família. Nas suas palavras "raízes antigas desempenham um papel importante no nosso trabalho, mas nunca foi um limite para o nosso espírito inovador".



Um dos melhores exemplos da arquitetura florentina de meados do século XV é o Palazzo Antinori, residência da família, localizado no centro histórico de Firenze, com entrada pela rua nobre-fashion da cidade, a Via de' Tornabuoni.



Situada no piso térreo do Palazzo Antinori está a atraente Cantinetta Antinori, que tive a satisfação em conhecer no último ano, e classifico como um dos restaurantes mais agradáveis e interessantes de Firenze. É um must go!



Como no passado, é possível ao turista desfrutar de toda gama de vinhos Antinori, em garrafa ou taça, enquanto degusta uma seleção de especialidades da cozinha toscana, muitas das quais preparadas com ingredientes colhidos nas diferentes propriedades dos Antinori.



O restaurante é pequeno, intimista e extremamente charmoso, com um interior aconchegante, composto por dois pisos. Como vocês podem ver na foto acima, escolhi o superior, simplesmente por ser o mais reservado.

O garçom, cujo sobrenome deve ser Simpatia, conquistou a mesa com seu humor, sua educação e sua competência. Rapidamente solicitei um Tignanello ( € 53 ), um blend das uvas Sangiovese, Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc. Não arranquem meu escalpo, mas infelizmente ficarei devendo a foto.



Os pratos na Cantinetta Antinori têm apresentação elegante e sabor indescritível. E assim chegou à mesa este Raviolli al Ragù ( € 16 ), um clássico toscano, mas que nesta casa faz direito à expressão "comer de joelhos". Por favor, ignorem a Coristina D na foto. Que vergonha...


Como se não bastasse, meu secondo piatto conseguiu ser superior. Este aromático Medaglione di Salmone ( € 28 ) estava grelhado à perfeição, ou seja, crocante por fora, porém macio e suculento em seu interior. Veio sob molho levíssimo de ervas com lascas da casca de limão e acompanhado por um puré de batatas deliciosamente amanteigado. Mais do que um prato, um sonho!

Assim como deve ser um sonho o de acordar todos os dias em uma cidade tão sublime como Firenze. Ah, bem gostaria eu de ter o seu fado, Marcelo!

ENDEREÇO:
Piazza Antinori, 3, Firenze
Horários: segundas à sextas, das 12h às 14:30; e das 19h às 22:30. Não abre nos finais de semana.
Tel. +39 055 292234