Meu despertador soou e acordei de sopetão e meio contrariado. Ainda sonolento, morosamente espantei a preguiça para enfim deixar o conforto quase materno da minha cama. Abri a janela somente para ter certeza de quão rigoroso estava aquele inverno na Itália. Mas hoje eu não tinha tempo para indolência, afinal havia me comprometido, na véspera, a encontrar-me com Marcelo, meu primo que reside, há muitas luas, em Firenze. E, como até então não o conhecia, minha rotineira tranqüilidade deu lugar a um misto de excitação pela novidade e preocupação em ser pontual.
Por sorte, meus temores haviam sido em vão. Quando cheguei ao nosso ponto de encontro, na Piazza della Republica, Marcelo não se achava em nenhum lugar que meus olhos pudessem alcançar. Foi neste momento que recordei-me de não estar na Inglaterra, porém na Itália e, conforme havia aprendido com um nativo, in Italia va bene arrivare con cinque minuti di ritardo.
Atravessei a praça, cortando um grupo de crianças que ziguezagueavam entre si, numa interminável farândola, e aportei em frente a uma loja de departamentos para fugir do vento gélido e cortante. Passei a admirar um casal muito idoso que, vizinhos a mim, discutiam calorosamente, embora sempre respeitosos, sobre os malefícios do cigarro. Minha risada surgiu baixa e involuntária, ao imaginar que esses senhores certamente já faziam parte da paisagem florentina.
Atravessei a praça, cortando um grupo de crianças que ziguezagueavam entre si, numa interminável farândola, e aportei em frente a uma loja de departamentos para fugir do vento gélido e cortante. Passei a admirar um casal muito idoso que, vizinhos a mim, discutiam calorosamente, embora sempre respeitosos, sobre os malefícios do cigarro. Minha risada surgiu baixa e involuntária, ao imaginar que esses senhores certamente já faziam parte da paisagem florentina.
Neste meu momento de distração, senti uma mão pousar sobre meu ombro direito. Virei-me de sobressalto para enxergar um homem de seus quarenta anos e sorriso tímido - prazer, sou Marcelo, disse ele.
Lembro-me que nos dirigimos a um café próximo, sentamos na mesa mais afastada do balcão e pedimos o que todo italiano come em seu desjejum: um belo cornetto acompanhado por um robusto e abrasador cappuccino, enquanto confabulávamos sobre os mais variados temas.
Dotado de uma passageira, porém crescente curiosidade, interroguei-o sobre os prós e contras de sua vida na cidade berço do Renascimento, e qual não foi a minha perplexidade ao tomar conhecimento de que meu primo havia sido casado com uma donna da secular e influente família Antinori.
Os Antinori são oriundos de Val di Sieve, zona toscana conhecida pelos vinhos Chianti Rùfina DOCG e Pomino DOC, contudo, nos primórdios do Duecento, devido aos danos significativos que suas terras sofreram, ocasionados pelas guerras entre os Guelfi e os Ghibellini, transferiram-se para Firenze.
Bastante influentes politicamente, os Antinori eram uma família mercante inscrita na Arte della Seta, uma das sete grandes corporações de arte e ofício de Firenze na Idade Média. Posteriormente, devido à sucursais que abriram em Bruges e Lyon, e da rede de negócios que elaboraram por toda Europa, também fixaram-se na guilda dos banqueiros, denominada Arte del Cambio.
Porém foi através da produção de vinhos que os Antinori fizeram-se dominantes. Em 1385, Giovanni di Piero Antinori tornou-se membro da Arte dei Vinattieri, a organização dos enólogos de Firenze. Desde então, são mais de seis séculos e vinte e seis gerações dos Antinori envolvidas na produção de vinhos, que atingiram níveis de excelência nas muitas fazendas na região do Chianti.
Hoje, o Marquês Piero Antinori está a frente dos negócios da família, e é o encarregado em manter a tradição, a paixão e a intuição, princípios básicos da família. Nas suas palavras "raízes antigas desempenham um papel importante no nosso trabalho, mas nunca foi um limite para o nosso espírito inovador".
Um dos melhores exemplos da arquitetura florentina de meados do século XV é o Palazzo Antinori, residência da família, localizado no centro histórico de Firenze, com entrada pela rua nobre-fashion da cidade, a Via de' Tornabuoni.
Situada no piso térreo do Palazzo Antinori está a atraente Cantinetta Antinori, que tive a satisfação em conhecer no último ano, e classifico como um dos restaurantes mais agradáveis e interessantes de Firenze. É um must go!
Como no passado, é possível ao turista desfrutar de toda gama de vinhos Antinori, em garrafa ou taça, enquanto degusta uma seleção de especialidades da cozinha toscana, muitas das quais preparadas com ingredientes colhidos nas diferentes propriedades dos Antinori.
O restaurante é pequeno, intimista e extremamente charmoso, com um interior aconchegante, composto por dois pisos. Como vocês podem ver na foto acima, escolhi o superior, simplesmente por ser o mais reservado.
O garçom, cujo sobrenome deve ser Simpatia, conquistou a mesa com seu humor, sua educação e sua competência. Rapidamente solicitei um Tignanello ( € 53 ), um blend das uvas Sangiovese, Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc. Não arranquem meu escalpo, mas infelizmente ficarei devendo a foto.
Os pratos na Cantinetta Antinori têm apresentação elegante e sabor indescritível. E assim chegou à mesa este Raviolli al Ragù ( € 16 ), um clássico toscano, mas que nesta casa faz direito à expressão "comer de joelhos". Por favor, ignorem a Coristina D na foto. Que vergonha...
Como se não bastasse, meu secondo piatto conseguiu ser superior. Este aromático Medaglione di Salmone ( € 28 ) estava grelhado à perfeição, ou seja, crocante por fora, porém macio e suculento em seu interior. Veio sob molho levíssimo de ervas com lascas da casca de limão e acompanhado por um puré de batatas deliciosamente amanteigado. Mais do que um prato, um sonho!
Assim como deve ser um sonho o de acordar todos os dias em uma cidade tão sublime como Firenze. Ah, bem gostaria eu de ter o seu fado, Marcelo!
ENDEREÇO:
Piazza Antinori, 3, Firenze
Horários: segundas à sextas, das 12h às 14:30; e das 19h às 22:30. Não abre nos finais de semana.
Tel. +39 055 292234